sábado, 2 de outubro de 2010

CRÔNICAS JAGUARUANENSES

As manhãs de minha infância não eram cortejadas por galos. Antes dos galos, os estalos sincronizados da lançadeira no tear anunciavam à alva sobrepujando a noite. Só nós – os jaguaruanenses e nem todos – tem o privilégio de acordar com os sons poéticos da arte de tecer. A rede de dormir permeia a vida de um jaguaruanense do nascimento a morte. O berço de jaguaruanense é rede com dois talos de carnaúba nas extremidades, para sentar-se é na rede sofá para os patacudos, aos que nada têm se dobra a rede no chão transformando-a numa almofada. Além do sono bom, a rede na época da febre amarela na década de 30, que assolou a Villa de União (atual Jaguaruana) serviu de ataúde. Hoje prática em desuso.
Aos que nunca deitaram numa rede de dormir, digo-lhes sem medo de errar o prazer de dormir como se flutuasse só tido dentro da rede. É um sono suave, um vôo inerte como se a gente dormisse por sobre uma nuvem. Talvez, o leitor, ache meu depoimento parcial até por minhas ligações deverás íntima. Mas eu proponho um desafio aos que nunca viveram essa experiência: apreciem. Sei que no início, você será acometido por um sentimento de insegurança, mas deixe a tranqüilidade domar seu íntimo.
Hoje eu acordo com o ronco dos automóveis, o cheiro de gasolina e o movimento medonho dos centros urbanos, mas vezes por outra, eu me reporto ao rincão e fico ouvindo a pancada do tear cortejando o dia. Ainda durmo de rede e nunca deixarei o tal hábito. Essas coisas não deixam de ser uma forma de amenizar a saudade de minha cidade.   

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