JAGUARUANA
Por Oswald Barroso
Jaguaruana, antigo distrito de Aracati, denominada inicialmente Caatinga do Góes e depois União, fica localizada no chamado Vale do Jaguaribe, às margens do rio do mesmo nome. Diz-se que muitos habitantes revoltados com a mudança do nome transferiram-se para Fortaleza, onde fundaram o bairro Vila União.
O município apresenta um solo arenoso e de carrasco com vegetação de caatinga, tendo além do rio, a serra, parte da chapada do Apodi, como acidentes geográficos mais notáveis. Sua condição de município ribeirinho implica, entre outras coisas, numa alentada prática da pesca, assim como no uso da irrigação, muitas vezes movida por cataventos, que embelezam a paisagem. Sua população é predominantemente de origem indígena, miscigenada com brancos, em maior número, e com negros. A presença dos índios era significativa, existindo até pouco tempo remanescentes de tribo em lugarejos da Serra. O próprio nome do município evidencia esta presença, sendo que, em tupi-guarani, Jaguar quer dizer onça preta e Jaguaruana, os comedores de onça. A marca indígena aparece em muitos costumes, entre as quais o uso da cabaça da coité, na cozinha, preparada com tecnologia artesanal indígena.
Também é forte sua presença na culinária, através de pratos como o peixe com farinha e batata doce. Ainda, a mesma marca aparece na prática das parteiras e rezadeiras tradicionais. Os negros concentram-se até hoje no Córrego do Machado e nos Afogados. Também é citada a presença dos ciganos, que por muito tempo atravessaram a região. A pecuária e a agricultura constituem-se as atividades produtivas originais do município. No período colonial, Jaguaruana era parada para os rebanhos que se dirigiam do interior até Aracati, onde o gado era abatido nas charqueadas. Na agricultura, ao lado das roças de subsistência, Jaguaruana foi até os anos 70 uma grande produtora de algodão, contando com grandes usinas que, além de descaroçar o algodão, produziam fios, como a Usina Santana. Hoje, porém, esta produção é mínima, e o algodão que alimenta a fábrica de fios ainda existente, é na maior parte produzido no Rio Grande do Norte. Entre os distritos do município, o de Giqui era um dos maiores produtores de algodão. Outro produto importante na região foi a carnaúba, de onde se extrai a cera e a palha para fazer chapéu e outros utensílios. Mas também a carnaúba, nos últimos 30 anos, está em franca decadência. O artesanato de palha, hoje, é muito mais desenvolvido no município vizinho de Itaiçaba, ex-distrito de Jaguaruana. Também é atividade econômica tradicional em Jaguaruana a produção de farinha de mandioca, com a existência de muitas casas de farinha, que produzem ainda vários tipos de tapioca, entre as quais a seca e a molhada.
MUDANÇAS
Atualmente, amplia-se, em Jaguaruana, uma atividade agroindustrial dedicada à produção de fruta e arroz. Toda esta produção vai exportada através do porto de Mucuripe, em Fortaleza. Além disso, assim como no Aracati, o município está sendo invadido pelos criatórios de camarão que, segundo os moradores ribeirinhos, poluem as águas do rio.
Esta diversidade econômica e de etnias alimenta uma cultura rica e plural, que se expressa, em suas formas mais exuberantes, numa enorme quantidade de festas de padroeiros e movimentos religiosos que, entre outras manifestações, incluem as romarias à Serra do Cruzeiro e ainda a existência de terreiros de cultos africanos. Na sede do município, as festas principais são a da padroeira Senhora Santana, na última semana de Julho, e a festa de Nossa Senhora das Graças, na última semana de Novembro. Além disso, em cada distrito e povoado há a festa do padroeiro local: a de São José, em São José; a de Nossa Senhora da Conceição, no Giqui; a de Santa Luzia, em Santa
Luzia; a de Santa Cruz do Borges, no Borges, a de Nossa Senhora do Socorro, no Juazeiro; a de São Miguel, na Catingueira; a de Santo Antônio, no Figueiredo, a de São João Batista, nos Cardeais. Nestas festas, no geral, há quermesses e apresentação de folguedos. Também, são muito animadas as festas de São João, Santo Antônio e São Pedro, com quadrilhas e fogueiras espalhadas por todo o município e, durante a Semana Santa, a Queimação de
Judas é costume arraigado. Mas não apenas são animadas as festas religiosas, o Carnaval jaguaruanense é famoso. Até bem recentemente era feito à moda cearense, com blocos de rua, papangus, bailes em clubes e invasões de casa. Cada localidade possuía o seu bloco. O do Giqui chamava-se Viúva Virgem. Na sede do município, havia o Salão do Povo, do Epinato, onde brincava o Bloco do Povo, comandado pelo Chico Edvan, ou Chico José de Joana que, com a também famosa Anunciata, formava o casal mais popular do carnaval da cidade. Há dois anos, porém, o carnaval passou a ser feito em estilo baiano, com trios elétricos, juntando todo mundo indiferentemente, em um mesmo ambiente público.
A cultura vaqueira aparece nas vaquejadas, havendo três parques no município, com pista para derrubada e salão de forró. Marca presença, ainda, na brincadeira do boi, que tem lugar nos reisados de couro, que teve em José Lúcio, um dos seus mestres mais importantes. Atualmente, em atividade, há o reisado do Giqui, o Boi Tisnado, antigamente dirigido por Zé de Teresa e atualmente por Marigésio. E nos Cardeais, também existe um reisado, que tem por mestre Severino Batista Filho, conhecido por Grilo.
Vivíssimas estão ainda as cantorias e a embolada de coco, incluindo nomes bem conhecidos como Vem Vem e Rogaciano. Famosos, também, são
o rabequeiro Quinco Floriano, do Córrego do Machado, e o bonequeiro Garranchinho, da localidade de Afogados, um artista múltiplo que além de com bonecos trabalha com circo. Aliás, no imaginário dos antigos, é muito viva a presença do circo, particularmente do Circo Garcia, que freqüentava a região.
Até hoje, pequenos circos mambembes costumam passar temporadas nos sítios e lugarejos do município. Entre os folguedos, contam-se também os pastoris, no período natalino, e os dramas, encenados nos salões paroquiais, escolas e residências. Como parte desta cultura tradicional, vale citar ainda as brincadeiras infantis, muitos vivas no município, como as de macaca, bila, elástico, cavalinho de talo de carnaúba etc.
Numa cidade de manifestações culturais tão diversas, os tipos populares são inúmeros. Entre eles, os antigos: Dora, mulher bem singular, que andava geralmente bêbada e assustava as crianças; e o Teixeira, trabalhador braçal de compleição hercúlea, que passava na estrada cantando. Mas também os atuais, vivíssimos: o Moreirinha, ex-prefeito da cidade e delegado, notável por seu bom humor e inteligência, sendo mesmo personagem de folhetos de cordel; Zé Rapadura, um inventor, natural da localidade de Rancho do Povo, que se arrogava ter inventado o avião, antes mesmo de Santos Dumont; a Anunciata, a mais popular e antiga vedete do carnaval local, com mais de 80 anos de bloco; e Dona Zanita, rezadeira do Giqui, uma espécie da bruxa do lugar.
Ao lado destas manifestações da cultura tradicional, há na sede do município, uma vida cultural moderna relativamente movimentada, com um razoável número de artistas e criadores notadamente nas áreas da literatura, teatro e artes plásticas. Como fator de incremento dessas atividades, deve-se apontar o bom número de estudantes do município freqüentando faculdades, não só em Limoeiro, como em Mossoró e outras cidades próximas. Entre os intelectuais e artistas da cidade, cabe citar alguns. Juarezinho, um historiador local, que tem o projeto de fazer o museu da rede. Entre o pessoal do teatro, destacam-se Moacir Ribeiro (teatrólogo e poeta) e Fátima Cláudia. Nas artes plásticas Agostinho Eusébio Filho, o Criança, cuja casa é um misto de instalação e centro cultural. Suas esculturas são inspiradas na caatinga, com suas plantas e animais, a seriema, o carcará. Há ainda o Mardens, que trabalha na mesma linha que o Criança, compondo seus trabalhos com pedras, raízes e madeira. E o Moacir Dantas, pintor.
Na década de 90 se começou a fazer teatro de rua, com incentivo de cursos feitos pelo Instituto Dragão do Mar. Foi criado por Moacir Ribeiro, Igor
Ribeiro e Evaldo Melo, o Grupo Pescadores de Ilusão, e depois a Companhia
Concretizar. Entre os espetáculos criados, há inclusive muitos que têm por tema o fabrico da rede, como a canção Deixa Eu Tecer, de Sabiá Jaguaruanense, nome artístico de Moacir. A canção está incluída na peça
Jaguaruana Lugar Sagrado, Berço da Minha Poesia.
Recentemente, artistas e educadores da cidade criaram a Associação para o Desenvolvimento do Ensino Pesquisa e Extensão de Jaguaruana, que desenvolve uma série de atividades, entre os quais cursos e oficinas voltados para o ensino da arte circense, do teatro, da poesia e da cultura popular, em geral. A prefeitura, em busca de apoiar estas ações, toma algumas iniciativas, a partir de seu departamento de Cultura que tem Karol Ribeiro e Silva, como coordenador. Entre estas iniciativas, está a Jaguaruarte, semana cultural, que se realiza anualmente.
Neste cenário cultural de tradição e animação cultural, desenvolve-se emJaguaruana o artesanato de tecelagem e rede. Muitas vezes centenário, o fabrico de redes em Jaguaruana, até pouco tempo atrás, ocupava não só grande parte da população, mas até mesmo o conjunto da paisagem do município, com o labor artesanal extrapolando o espaço das casas e quintais e se estendendo até as ruas e praças. Antigamente, as redes eram vendidas especialmente para o Norte do país, preferencialmente para o Amazonas, Pará e Acre. Saiam de navio, pelo porto do Mucuripe. Conta-se que, por ocasião das secas e pestes, as redes funcionavam como urnas funerárias, levando os mortos até os cemitérios, mas que, por serem tantos, os mortos eram despejados das redes nos jazigos e elas voltavam para pegar outros. Hoje, embora já não tão absoluto, o artesanato de rede ainda dá a marca da cidade.
Entre seus artesãos, há verdadeiros artistas, como Josemar Pinheiro e Doquinha, que além de redes, trabalham criando nos teares, objetos outros, como redes-sofás, caminhos de mesa, bolsas etc. Para reunir estes artesãos, foi criada a Associação dos Pequenos Produtores de Rede de Jaguaruana.
Esse texto está registrado no Trabalho Acadêmico intitulado: Ceara: uma cultura mestiça de Oswald Barroso